Quem é o rei da banca?
Cena um - A história
A - Interrogatório
O pisca-pisca constante da luminária fluorescente torna os três homens de pé em vultos e o que está algemado e nu na cadeira, é mal e parcamente iluminado pelo fio de luz que desce do teto. A sala está praticamente vazia, além dos quatro homens, apenas uma mesa na parede dos fundos compõe a decoração.
-Conta logo! Quer levar outra pancada? -Diz um dos vultos, com voz rouca.
-Não sei do que vocês estão falando...
-É claro que sabe! Foi preso por isso. -Outro vulto.
-Eu não sei... -A voz do homem oscila.
-O Silveirinha está abrindo mais pontos de jogo do bicho?
-...
-Eu vou arrebentar esse cara! -O vulto de voz rouca se precipita em direção ao homem e é segurado pelo segundo vulto.
-Calma. Olha, até eu sei que isso deve ser verdade, então poupe você mesmo, nos dê os detalhes. -O terceiro vulto, até agora calado, veio até a luz: a falta de papada, devido ao parto por fórceps, lhe conferiu o apelido desde criança, Noel.
-Disso eu não sei... Mas se eu disser como eles vão transferir a arrecadação do bolão, vocês me liberam? -O bolão acontecia no fim-de-semana imediatamente posterior ao dia 10 de cada mês quando o povo geralmente já tinha recebido pagamento. Era o período que mais garantia lucro ao bicheiro Silveirinha, isso já era sabido.
-Claro! -O vulto de voz rouca aparece à luz, o Delegado Pacheco, com um sorriso de orelha a orelha e olhos brilhando. –Prossiga.
-Amanhã cedinho, -O homem continua- um carro vai levar todo o dinheiro da casa do gerente para o Silverinha, depoi--.
-Amanhã é segunda! -O segundo vulto retruca. -Por que ficariam guardando o dinheiro? Por que já não levaram o lucro de sábado, ontem ou hoje pro Silveirinha?
-Eu achei estranho também... Mas disseram que era por que o gerente precisava de todo o dinheiro para separar os lotes para as folhas de pagamento.
-A folha de pagamentos dele é bem extensa... –Comentou Pacheco sem tirar o sorriso do rosto. –Quem é esse gerente, onde ele mora?
-Ele se chama Marcelino... De Freitas, mas eu só saberia onde ele mora, amanhã, na hora de transportar a grana.
-E como vão transportar? –Cerqueira, o segundo vulto até agora, aparece, peruca, uma verruga e uma expressão séria no rosto.
-Um sinca verde, quase uma lata velha.
-Certo, certo, essa coisa ta me cansando, já. Leva esse cara de volta para o xadrez!
-Pera aí! Vocês prometeram me soltar! – O homem chorava praticamente.
-Você está é louco se pensa que vou soltar um malandro que nem você só por ter dado umas pistas desencontradas! Acha que eu vou por tudo a perder e deixar você avisar o Silveirinha? Tira ele daqui antes que... –E o delegado levanta a mão na direção do homem, que se encolhe diante da ameaça.
Noel trata de levar o homem ainda algemado e nu, para fora da pequena sala de interrogatórios, dois guardas o recebem e o levam de volta à cela. Voltando-se para os dois que ficaram na sala, recebe a pergunta do delegado:
-E agora? Alguém sabe quem é esse tal de Marcelino?
-Nunca ouvi falar dele. –Responde.
-O pior é que não há tempo para investigar, uma operação oficial exigiria mandados e preparação...
-Que tal uma escuta? Noel insiste. –Poderíamos liberar o cara, ele vai avisar o pessoal do Silveirinha, o seguimos e o pegamos com a mão no ouro!
-Não, provavelmente só iríamos despender esforços, o safado preso não sabe onde mora o Marcelino, disso eu tenho certeza, não teriam contado essas coisas para um Zé qualquer. E é esperto o miserável, ele certamente avisaria o silveirinha de um orelhão ou celular. –Diz o delegado, quase resignado.
-Onde está a ficha do relatório? -Noel, este sim, resignado.
O delegado sorri levemente:
-Esquece isso, Noel, não se preocupe. Não há nada o que escrever, filho. Por que não tira folga o resto desse domingo? Eu e o Cerqueira seguramos o movimento e resolvemos essa história de transporte de dinheiro.
Continua