3.6.08

A continuação

A continuação do texto Carmem: fragmentos de uma mente perturbada

Para ler toda a história acesse aqui.


I


Duas horas após o término da metamorfose, continuo a contemplar seu corpo. Livre dos grilhões do instinto. Seu olhar antes atrevido, agora é muito mais comportado, seus olhos eram bonitos, mas resisti e descartei-os assim mesmo, pro lixo, bem como o fora a minha infância, quando tinha apenas meus sete anos e nos mudamos para a cidade. Meu pai disse que o interior estava atrasando a família e que na cidade os tios tinham se estabelecido bem. E de certa forma, se comparados aos casebres do campo, os barracos na periferia não eram tão ruins... (todos os conceitos e concepções que tinha sobre humanos e a vida em sociedade, se provariam errados depois desta mudança. Que ingenuidade a minha pensar que todos os homens se relacionavam como na minha cidadezinha!).

Na última semana é que realizei que as mãos também inebriam e não deixam que a mente pense com clareza. Por isso tomei a liberdade de extrai-las, tão úteis, também tão sujas. Ninguém acreditou em mim: "seu tio trabalha o dia inteiro, nos ajuda muito e você inventa uma coisa horrível dessas!". Ele era da minha família! Ele deveria me proteger! Mas foi bom, não trouxe apenas seqüelas, trouxe um propósito de vida: curar. Hoje a fragilidade de criança já não tem espaço em minha mente, desde o fatídico dia, meu instinto fechou-se num casulo pra renascer mais poderoso do que nunca, rastejando como que uma larva, sendo abusada pela escória toda, mas depois, quando transformada, ninguém é páreo para a muçurana, a devoradora de cobras, poderosa, vai à forra com as outras cobras, agressoras de outrora, brinquedos hoje.

Melhorei bastante para uma segunda vez. Da primeira vez não tinha nem planejado como iniciar o processo, ele não parava de se mexer, nem de tentar escapar, improvisei com um vaso em sua cabeça e descobri como quatro litros podem ser muita coisa quando se trata de sangue pelo tapete. Quase entrei em pânico, usei o que tinha em casa para transformá-lo, facas, colheres, qualquer coisa que parecesse ter serventia. Hoje sou muito mais técnica, precisão quase cirúrgica, fabricando os instrumentos de que necessitasse. Ah! O êxtase de mais um trabalho completo. Sua medíocre condição humana não é mais problema, ele pode descansar agora, seu instinto sujo, não vai mais atrapalhar seus pensamentos. Eu gostava daquele tapete na sala, agora só me serve no quarto, onde o vermelho velho combina mais com o das paredes. Ainda não sei o que fazer das partes removidas de cada um deles, onde estarão a salvo caso um deles queira recuperá-las?

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Um comentário:

Sr.F disse...

Essa Carmem dá medo hein. Essa segunda parte, tem emoção e umas decrições ótimas. Ótimo texto, ela chegando na cidade, sua metamorfose. Eu só tenho uma dúvida, os parentes da Carmem sabem que ela é serial killer? Acho interessante também o comportamento dela, frio, com a morte.